sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Uma Breve História sobre o ateísmo


Apesar do termo ateísmo ter origem na França do século XVI, ideias que seriam hoje reconhecidas como ateístas estão documentadas desde a antiguidade clássica e o período védico.

Escolas ateístas são encontradas no hinduísmo antigo, e existem desde o tempo da religião védica. Entre as seis escolas ortodoxas (āstika e nāstika) da filosofia hindu,Sankhya, o mais antigo sistema filosófico, não aceita Deus, enquanto a antiga Mimamsa também rejeita a noção de divindade, e sustenta que a própria ação humana é suficiente para criar as circunstâncias necessárias à apreciação dos seus frutos.

A completamente materialista e antiteísta escola filosófica Carvaka que se originou na Índia em torno do século VI a.C. é provavelmente a escola de filosofia mais explicitamente ateísta da Índia, similar à escola cirenaica grega. Este ramo da filosofia indiana é classificado como heterodoxo devido à sua rejeição da autoridade dosVedas e não é considerado parte das seis escolas ortodoxas do hinduísmo, mas é notável como evidência de um movimento materialista dentro do hinduísmo. Chatterjee e Datta explicam que a nossa compreensão da filosofia Carvaka é fragmentária, baseada principalmente na crítica das suas ideias por outras escolas, e que não é uma tradição viva:

“Apesar do materialismo de uma forma ou de outra ter estado sempre presente na Índia, e referências ocasionais sejam encontradas nos Vedas, na literatura budista, nos épicos, bem como nas obras filosóficas posteriores, não encontramos nenhum trabalho sistemático sobre o materialismo, nem qualquer escola organizada de seguidores como as outras escolas filosóficas possuem. Mas quase todos os trabalhos das outras escolas mencionam, para refutação, os pontos de vista materialistas. Nosso conhecimento do materialismo indiano baseia-se sobretudo nesses trabalhos.”

Outras filosofias indianas geralmente consideradas como ateístas incluem samkhya clássica e mimāṃsā.  A rejeição de um Deus criador pessoal também é observada no jainismo e no budismo na Índia.

Na Apologia de Platão, Sócrates foi acusado por Meleto de não acreditar nos deuses.

O ateísmo ocidental tem suas raízes na filosofia grega pré-socrática, mas não emerge como uma visão do mundo distinta até o final do Iluminismo. O filósofo grego doséculo V a.C. Diágoras é conhecido como o "primeiro ateu" e é citado como tal por Cícero no seu De Natura Deorum. Crítias via a religião como uma invenção humana usada para assustar as pessoas e fazê-las seguir a ordem moral.  Atomistas como Demócrito tentaram explicar o mundo de uma forma puramente materialista, sem referência ao espiritual ou místico. Entre outros filósofos pré-socráticos, que provavelmente tinham pontos de vista ateístas, incluem-se Pródico eProtágoras. No século III a.C. os filósofos gregos Teodoro, o Ateu e Estratão de Lampsaco  também não acreditavam que deuses existiam.

Antiguidade clássica

Sócrates (c. 471-399 a.C.) foi acusado deimpiedade (ver Dilema de Eutífron) baseado no fato de ele ter inspirado o questionamento dos deuses do Estado.  Embora ele tenha contestado a acusação de que era um "ateu completo", dizendo que não podia ser um ateu, visto que acreditava em espíritos, acabaria por ser condenado à morte. Sócrates também reza a vários deuses no Fedro de Platão e diz "Por Zeus" no diálogo A República.

Evêmero (c. 330-260 aC) publicou sua visão de que os deuses eram apenas os governantes, conquistadores e fundadores do passado deificados, e que os seus cultos e religiões eram, em essência, a continuação dos reinos que desapareceram e das estruturas políticas anteriores. Embora não fosse estritamente um ateu, Evêmero mais tarde foi criticado por ter "espalhado o ateísmo por toda a terra habitada ao obliterar os deuses."

O atomista e materialista Epicuro (c. 341-270 aC) disputou muitas doutrinas religiosas, incluindo a existência de vida após a morteou uma divindade pessoal; ele considerava a alma puramente material e mortal. Embora oepicurismo não tenha descartado a existência de deuses, ele acreditava que, se existissem, eles estavam despreocupados com a humanidade.

O poeta romano Lucrécio (c. 99-55 aC), concordou que, se houvesse deuses, estavam despreocupados com a humanidade e eram incapazes de afetar o mundo natural. Por esta razão, ele acreditava que a humanidade não devia ter medo do sobrenatural. Ele expõe seus pontos de vista epicuristas sobre ocosmos, átomos, alma, mortalidade e religiãoem De rerum natura (em português: "Sobre a natureza das coisas"), que popularizou a filosofia de Epicuro em Roma.

O filósofo romano Sexto Empírico defendia que se deve suspender o julgamento sobre praticamente todas as crenças - uma forma de ceticismo conhecida como pirronismo - que nada era inerentemente mau e que aataraxia ("paz de espírito") é atingível se nos refrearmos de julgar. O volume relativamente grande de obras suas que sobreviveram, teve uma influência duradoura sobre filósofos posteriores.

O significado do termo "ateu" mudou ao longo da antiguidade clássica. Os primeiros cristão seram rotulados como ateus pelos não-cristãos por causa da sua descrença nos deuses pagãos. Durante o Império Romano, os cristãos foram executados por sua rejeição aos deuses romanos em geral e ao culto imperial em particular. Quando o cristianismo se tornou a religião estatal de Roma sob o governo de  Teodósio I em 381, a heresia tornou-se um delito punível.

Início da Idade Média ao Renascimento:

A adoção de pontos de vista ateístas era rara na Europa durante a Alta Idade Média e Idade Média (ver Inquisição medieval); metafísica,religião e teologia eram os interesses dominantes. Houve, no entanto, movimentos deste período que promoveram concepções heterodoxas do Deus cristão, incluindo pontos de vista diferentes sobre anatureza, a transcendência e a cognoscibilidade de Deus. Indivíduos e grupos, tais como João Escoto Erígena, David de Dinant, Amalarico de Bena e os Irmãos do Livre Espírito mantinham pontos de vista cristãos, mas com tendências panteístas. Nicolau de Cusa sustentava uma forma de fideísmo que chamou de docta ignorantia("ignorância aprendida"), afirmando que Deus está além da categorização humana e que o nosso conhecimento de Deus é limitado à conjectura. Guilherme de Ockham inspirou tendências antimetafísicas com a sua limitação nominalista do conhecimento humano para objetos singulares e afirmou que a essência divina não poderia ser intuitivamente ou racionalmente apreendida pelo intelecto humano. Seguidores de Ockham, como João de Mirecourt e Nicolau de Autrecourt, expandiram esta visão. A divisão resultante entre a fé e a razãoinfluenciou teólogos posteriores, como John Wycliffe, Jan Hus e Martinho Lutero.

A Renascença foi muito importante na expansão do escopo da investigação cética e do livre-pensamento. Indivíduos comoLeonardo da Vinci procuraram a experimentação como meio de explicação, e opuseram-se aos argumentos de autoridade religiosa. Outros críticos da religião e da Igreja durante este tempo incluíram Nicolau Maquiavel, Bonaventure des Périers eFrançois Rabelais.

Início do período moderno

A Essência do Cristianismo (1841), de Ludwig Feuerbach, seria de grande influência para filósofos como Engels,Marx, David Strauss, Nietzsche e Max Stirner. Ele considerava que Deus é uma invenção humana e que as atividades religiosas são usadas para a realização de desejos. Por isso, ele é considerado o pai fundador da moderna antropologia da religião.

As eras do Renascimento e da Reforma testemunharam um ressurgimento do fervor religioso, como evidenciado pela proliferação de novas ordens religiosas, confrarias e devoções populares no mundo católico e o aparecimento de seitas protestantes cada vez mais austeras, como os calvinistas. Esta era de rivalidade interconfessional permitiu uma abrangência ainda maior de especulação teológica e filosófica, muita da qual viria a ser usada para promover uma visão de mundo religiosamente cética.

A crítica do cristianismo tornou-se cada vez mais frequente nos séculos XVII e XVIII, principalmente depois do Sismo de Lisboa de 1755, e em especialmente na França e naInglaterra, onde parece ter existido um mal-estar religioso, de acordo com fontes contemporâneas. Alguns pensadores protestantes, como Thomas Hobbes, defendiam uma filosofia materialista e um ceticismo em relação às ocorrências sobrenaturais, enquanto que o filósofo judeu holandês Baruch Spinoza rejeitava aprovidência divina em favor de um naturalismo panenteísta. No final do século XVII, o deísmo passou a ser abertamente defendido por intelectuais como John Toland, que cunhou o termo "panteísta". Apesar de ridicularizarem o cristianismo, muitos deístas desprezavam o ateísmo. O primeiro ateu que se sabe ter jogado fora o manto do deísmo, negando de modo contundente a existência de deuses, foi Jean Meslier, um padre francês que viveu no início do século XVIII. Ele foi seguido por outros pensadores abertamente ateus, como oBarão d'Holbach e Jacques-André Naigeon. O filósofo David Hume desenvolveu umaepistemologia cética fundamentada noempirismo, enfraquecendo a base metafísica da teologia natural. Outros ateus que se destacaram no Iluminismo foram Denis Diderot e Jean le Rond d'Alembert, autores do Encyclopédie, documento que reunia todos os conhecimentos de até então.

A Revolução Francesa tirou o ateísmo e o deísmo anticlerical dos salões e colocou-os na esfera pública. Um dos principais objetivos da Revolução Francesa foi uma reestruturação e subordinação do clero em relação ao Estado através da Constituição Civil do Clero. As tentativas para aplicá-la levaram à violência anticlerical e à expulsão de muitos clérigos da França. Os eventos políticos caóticos da Paris revolucionária, acabaram por permitir aos jacobinos mais radicais tomar o poder em 1793, inaugurando o Reino do Terror. Os jacobinos eram deístas e introduziram o Culto do Ser Supremo como uma religião estatal da França. Alguns ateus próximos de Jacques Hébert procuraram estabelecer um culto da razão, uma forma de pseudo-religião ateia com uma deusa personificando a razão. Ambos os movimentos, em parte, contribuíram para as tentativas forçadas de descristianizar a França. O Culto da Razão terminou depois de três anos, quando a sua liderança, incluindo Jacques Hébert, foi guilhotinada pelos jacobinos. As perseguições anticlericais terminaram com a Reação Termidoriana.

A era napoleônica institucionalizou a secularização da sociedade francesa e exportou a revolução para o norte da Itália, na esperança de criar repúblicas flexíveis. Noséculo XIX, os ateus contribuíram para várias revoluções políticas e sociais, facilitando os levantes de 1848, o Risorgimento na Itália e o crescimento de um movimento socialista internacional.

Na segunda metade do século XIX, o ateísmo ganhou proeminência sob a influência de filósofos racionalistas e  livre-pensadores. Muitos proeminentes filósofos alemães da época negaram a existência de divindades e eram críticos da religião, incluindo Ludwig Feuerbach, Arthur Schopenhauer, Max Stirner,Karl Marx e Friedrich Nietzsche.

Século XX

O ateísmo no século XX, particularmente na forma de ateísmo prático, avançou em muitas sociedades. O pensamento ateu encontrou reconhecimento em uma ampla variedade de outras filosofias mais amplas, como oexistencialismo, o objetivismo, o humanismo secular, o niilismo, o positivismo lógico, oanarquismo, o marxismo, o feminismo[99] e o movimento científico e racionalista geral.

O positivismo lógico e o  cientificismopavimentaram o caminho para o neopositivismo, a filosofia analítica, o estruturalismo e o naturalismo. O neopositivismo e a filosofia analítica descartaram o racionalismo clássico e a metafísica em favor do empirismo estrito e do nominalismo epistemológico. Proponentes como Bertrand Russell, rejeitaram enfaticamente a crença em Deus. Em seus primeiros trabalhos, Ludwig Wittgenstein tentou separar a linguagem metafísica e sobrenatural do discurso racional. A. J. Ayer afirmou a inverificabilidade e a falta de sentido das afirmações religiosas, citando a sua adesão às ciências empíricas. Relacionado com esta ideia, o estruturalismo aplicado de Lévi-Strauss ligou a origem da linguagem religiosa ao subconsciente humano ao negar o seu significado transcendental. John Niemeyer Findlay e J. J. C. Smart argumentaram que a existência de Deus não é logicamente necessária. Naturalistas e monistas materialistas, tais como John Dewey, consideravam o mundo natural como a base de tudo, negando a existência de Deus.

O século XX também assistiu ao avanço político do ateísmo, estimulado pela interpretação das obras de Marx e Engels. Após a Revolução Russa de 1917, houve mais liberdade religiosa para as minorias religiosas, o que durou alguns anos. Embora a Constituição Soviética de 1936 garantisse a liberdade para realizar cultos, o Estado soviético, sob a política de Estado ateu de Stalin, não considerava a religião um assunto privado; o governo soviético ilegalizou o ensino religioso e promoveu campanhas para convencer as pessoas a abandonar a religião.Diversos outros estados comunistas também se opuseram à religião e promoveram o ateísmo estatal, incluindo os antigos governos socialistas daAlbânia, e, atualmente, da China, Coreia do Norte  e Cuba.

Outros líderes como Periyar E. V. Ramasamy, um proeminente líder ateu da Índia, lutaram contra o hinduísmo e os brâmanes por eles discriminarem e dividirem as pessoas em nome de castas e religião.  Tal foi sublinhado em 1956, quando ele erigiu uma estátua representando um deus hindu em uma representação humilde e fez declarações antiteístas.

Em 1966, a revista Time perguntava: "Deus está morto?", em resposta ao movimento teológico Morte de Deus, citando a estimativa de que quase metade de todas as pessoas no mundo viviam sob um poder anti-religioso e milhões mais na África, Ásia e América do Sulpareciam não ter conhecimento sobre o Deus único.

Em 1967, o governo albanês de Enver Hoxha anunciou o fechamento de todas as instituições religiosas no país, declarando a Albânia o primeiro estado oficialmente ateu, embora a prática religiosa na Albânia tenha sido restaurada em 1991. Estes regimes acentuaram as associações negativas do ateísmo, especialmente onde o sentimento anticomunista era forte, como nos Estados Unidos, apesar do fato de que ateus proeminentes serem anticomunistas.

Século XXI

Desde a queda do Muro de Berlim, o número de regimes ativamente anti-religiosos tem diminuído consideravelmente. Em 2006, Timothy Shah do Fórum Pew constatou "uma tendência mundial em todos os grandes grupos religiosos, na qual movimentos baseados em Deus e na fé, em geral, estão experimentando confiança e influência crescentes face aos movimentos e ideologias seculares". No entanto, Gregory S. Paul e Phil Zuckerman consideram isso um mito e sugerem que a situação real é muito mais complexa e matizada.

A motivação religiosa dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e as tentativas parcialmente bem-sucedidas do Discovery Institute para mudar o currículo de ciências das escolas estadunidenses para incluir ideias criacionistas, juntamente com o apoio dessas ideias pelo ex-presidente George W. Bush em 2005, desencadearam uma onda de publicações de conhecidos autores ateus como Sam Harris, Daniel C. Dennett, Richard Dawkins, Victor J. Stenger e Christopher Hitchens, cujas obras foram best-sellers nos Estados Unidos e em todo o mundo, movimento que passou a ser conhecido como Novo Ateísmo.

Um levantamento de 2010 descobriu que aqueles que se identificam como ateus ou agnósticos estão, em média, mais bem informados sobre religião do que os seguidores das religiões principais. Descrentes tiveram melhores pontuações respondendo a questões sobre os princípios centrais das fés protestante e católica. Apenas fiéis mórmons e judeus tiveram tão boas pontuações sobre religião quanto os ateus e agnósticos.

O Ateísmo 3.0 é um movimento dentro do ateísmo que não acredita na existência de Deus, mas que diz que a religião tem sido benéfica para os indivíduos e para a sociedade, e que eliminá-la é menos importante do que outras coisas que precisam ser feitas. 





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